16.12.10

A LÓGICA DO MERCADO NA ESFERA DA RELIGIÃO:

Competição, demanda e a dinâmica dos discursos e práticas religiosas no Brasil

Lemuel Dourado Guerra, Professor do Departamento de Sociologia e Antropologia da UFPB - Campus II, Doutor em Sociologia pela Universidade Federal de Pernambuco/Universidade de Cambridge, Inglaterra.

         Os cientistas sociais dedicados ao estudo da religião no Brasil encontram-se diante de um desafiante cenário religioso nacional, que tem sido recentemente marcado por um notável aumento da competição entre organizações religiosas pela preferência dos fiéis.
Isso tem conseqüências várias, tanto sobre a dinâmica dos discursos e das práticas religiosas das diversas igrejas e movimentos, quanto sobre o surgimento de novas identidades religiosas no âmbito das religiões e movimentos organizados.

           É nossa pretensão, neste artigo, apresentar algumas das características marcantes da atual conjuntura religiosa nacional, resultantes da constituição da esfera da religião num espaço de crescente concorrência pela preferência dos fiéis, o que produz transformações organizacionais das várias instituições religiosas que operam no mercado, e reflexos significativos em termos da moldagem dos seus discursos e práticas religiosas.

          Uma das idéias nas quais nos baseamos neste trabalho é a de que assistimos, dentro do contexto atual de algumas das sociedades ocidentais, a um processo crescente de transformação da religião - aqui considerada em termos de práticas e discursos religiosos gerados por igrejas, seitas e outras formas de organização de propostas de religiosidade em geral - num item de consumo, oferecido aos indivíduos no mercado de maneira semelhante à dos outros bens simbólicos, tais como estilos de vida e de identidade cultural.

          Isso significa dizer que se instala na esfera da religião uma lógica de mercado, na qual a competição pela preferência dos consumidores de bens religiosos é a força principal que determina a dinâmica dos discursos e práticas religiosas elaborados pelas instituições religiosas em operação no cenário religioso nacional.

        Como conseqüência, no nível teórico, um procedimento que deveremos adotar para entender de maneira adequada o fenômeno da religião nas sociedades ocidentais de consumo na atualidade, é utilizar uma abordagem que considere o campo religioso à luz da metáfora das lógica da concorrência, originalmente referida ao mercado econômico secular.

            Isso significa, na prática, analisar o fenômeno da religião e a dinâmica de suas transformações com referência basicamente à noção do crescente aumento dos níveis de competição entre as organizações religiosas em atividade, numa conjuntura em que a força da tradição sobre a opção religiosa dos indivíduos vem gradualmente diminuindo, utilizando, portanto, categorias tais como as de oferta e procura de bens religiosos, que são oferecidos aos indivíduos por organizações religiosas estabelecidas, num ambiente macro-social marcado pela crescente racionalização de todas as atividades, que, em termos de religião, se traduz num processo de secularização crescente.

            Esse processo determina, por sua vez, a constituição de um modo específico de moldagem e fruição da(s) experiências religiosa(s) semelhante àquele ligado à oferta e ao consumo de outros produtos no mercado1.

            Como conseqüência desse processo de transformação do campo religioso em mercado religioso, nos termos já colocados, temos uma crescente preocupação das organizações religiosas com a satisfação da demanda de consumidores, que determina tanto as formas de elaboração e distribuição dos bens religiosos, como as características estrutural - institucionais das instâncias produtoras.

              Os níveis de concorrência entre organizações religiosas implicam, inclusive, na adoção de práticas semelhantes às utilizadas por empresas seculares para disponibilizar seus produtos para o consumo no mercado e o crescente poder da demanda dos consumidores na determinação da dinâmica dos discursos religiosos e das práticas a eles relacionadas.

          A dinâmica dos discursos e práticas das organizações religiosas, ao nosso ver, seria, portanto, duplamente moldada: objetivamente, tanto pelas relações estruturais no mercado religioso, a saber, as mudanças nas relações de forças entre propostas de religiosidade, que determinam os níveis de competição, quanto pela relação entre a esfera da religião e as condições mais gerais das sociedades em que existem os mercados dos bens religiosos; e, subjetivamente, pelas interpretações dos atores sociais, os produtores de bens religiosos e os consumidores reais ou potenciais de religião, a respeito tanto dos aspectos simbólico-rituais das propostas, e sua capacidade de responder às suas necessidades, quanto do significado da competição entre organizações religiosas e dos imperativos institucionais.

A idéia de mercado e a esfera da religião

          Quem primeiro mencionou, na literatura sociológica, a constituição de um mercado religioso, foi Peter Berger. No seu O Dossel Sagrado (1985:149) ele a coloca como um dos resultados do pluralismo religioso:

         A situação pluralista é, acima de tudo, uma situação de mercado. Nela, as instituições religiosas tornam-se agências de mercado e as tradições religiosas tornam-se bens de consumo. E, de qualquer forma, grande parte da atividade religiosa nessa situação vem a ser dominada pela lógica da economia de mercado.

         Como vemos, há uma associação da situação de mercado com o pluralismo religioso, que, no caso brasileiro, se manifesta pela diminuição do peso da tradição católica sobre a escolha religiosa dos indivíduos, o que abre espaço para a visibilização de outras propostas de religiosidades, o que torna necessário que o modelo católico de religiosidade, antes imposto pela autoridade, tenha que ser colocado no mercado.

          Além dessa concorrência em termos do espaço interno do campo religioso, devido ao avanço dos processos de secularização do mundo já mencionados, as organizações religiosas perderam uma posição confortável, determinada pelos níveis de plausibilidade da atitude religiosa em geral, e devem enfrentar a competição livre com outras agências não religiosas de produção de explicações do mundo e das coisas, desta feita sem o poder de uma tradição cultural que lhe confira um argumento inquestionável de autoridade.

       Outra formulação teórica da abordagem da religião em termos de mercado é aquela elaborada por um grupo de sociólogos norte-americanos, liderados por Rodney Stark, George Finke2, que propõem uma análise mercadológica das instituições religiosas, definindo-as como fornecedores de produtos para consumo religioso, atuando sob regras especificas de concorrência pela preferência dos indivíduos. Esse modelo é conhecido na sociologia norte-americana como o Paradigma do Mercado Religioso, ou o Novo Paradigma.

        Ainda outra vertente de trabalhos nessa direção destaca a análise dos processos pelos quais a religião se transforma numa mercadoria e a sua contraface, a sacralização das mercadorias, da qual é emblemática a contribuição de Mike Featherstone (FEATHERSTONE, 1991 e outros).

        No que se refere ao Brasil, alguns autores também têm escrito a respeito das transformações da esfera religiosa no Brasil em mercado religioso. Por exemplo, Prandi (1996) analisando a individualização da religião como uma conseqüência da secularização e sua transformação em um item para consumo, considera que é preciso pensar o fenômeno sob a ótica da lógica mercadológica.

Ele afirma que:

               Desde que a religião perdeu para o conhecimento laico-científico a prerrogativa de explicar e justificar a vida nos seus mais variados aspectos, ela passou a interessar apenas em razão do seu proveito individual. Como a sociedade e a nação não precisam dela para nada essencial ao seu funcionamento, e a ela recorrem apenas festivamente, a religião foi passando pouco a pouco para o território do indivíduo. E desta para a do consumo, onde se vê agora obrigada a seguir as regras do mercado. (PRANDI, 1996:260)


             Na mesma linha, Brandão (1994:28) afirma que "é patente o trânsito da situação de hegemonia religiosa da igreja católica para uma situação de campo religioso regida pela lógica e retórica do mercado de bens simbólicos".
Um último exemplo é o de Negrão (1994), que chama a atenção para a inexorabilidade da lógica de mercado decorrente do pluralismo religioso, comentando que a legitimação concedida pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil à prática de cura e ao misticismo, elementos da proposta da Renovação Católica Carismática, no início da década de 90 recusados anteriormente, nos tempos da hegemonia do catolicismo mais politizado, não decorre da ambigüidade das estratégias institucionais oportunistas.

         Essas mudanças explicam-se pela imposição do princípio de preferência do consumidor, vigente no contexto religioso pluralista e de mercado (conf. NEGRÃO, 1994:133).


Os contornos do cenário religioso nacional

Alguns dos contornos do atual momento da arena religiosa no Brasil, resultando na necessidade de um esforço dos estudiosos do fenômeno da religião no sentido de elaboração de uma nova abordagem, são, basicamente, os seguintes: 

• A crise da posição hegemônica da Igreja Católica no campo religioso, que enfrenta por um lado, os sinais do declínio das Comunidades Eclesiais de Base e, por outro, o avanço dos evangélicos;
• A diminuição do peso da tradição na escolha individual da religião, associada ao fenômeno da "desinstitucionalização" da atividade religiosa: a crescente visibilização social da tendência dos indivíduos de cruzar sistemas religiosos entre si e estes com outros campos, como o da arte e da ciência, na construção de alternativas místicas;
• Acirramento da concorrência entre organizações religiosas, - notadamente entre católicos e os neo-pentecostais e deste últimos com os evangélicos tradicionais.

        Os desdobramentos do aumento dos níveis de competição


              Para um entendimento adequado do cenário religioso contemporâneo brasileiro é imprescindível a utilização de uma abordagem inspirada na metáfora do mercado, no que se refere à questão do aumento da competição entre organizações religiosas, resultado da perda da força da tradição católica - o que muda a conjuntura interna do campo, abrindo-se amplas possibilidades para a visibilização de variadas propostas de religiosidade -, e dos processos de secularização em curso na sociedade - que mudam os níveis de plausibilidade da atitude religiosa em geral, e o caráter de sua fruição, tornando-a próxima àquela de outros estilos de vida propostos na sociedade. Dentre as principais conseqüências desse crescendo dos níveis de competição, citamos as seguintes:

           O aumento da racionalização das atividades das organizações religiosas e a crescente importância do uso de estratégias de marketing
A intensificação da abertura do mercado religioso - ou seja, a recente transformação da situação da esfera religiosa no Brasil provocada pelo abalo na sua estruturação anterior, na qual a Igreja Católica exercia o monopólio -, tem conseqüências tanto em termos organizacionais quanto no que se refere às características das práticas e discursos religiosos na região.

           Podemos falar, por exemplo, numa tendência à acentuação do caráter organizacional das igrejas, que se reflete no aumento dos níveis de racionalização das atividades necessárias à sobrevivência e expansão das instituições religiosas nesse ambiente onde os níveis de competição são cada vez maiores.

           Os sinais desse processo de racionalização podem ser observados em todos os pontos do campo. Especificamente entre os evangélicos, assistimos a modificações que vão desde aquelas relacionadas com a formação dos pastores - com adoção de currículos que incluem mais disciplinas ligadas ao gerenciamento eclesiástico3 e de outras que preparam mais “tecnicamente” os estudantes de Teologia para o exercício do pastorado, de acordo com as especificações desejadas pelo mercado -, passando pela sofisticação dos organogramas denominacionais nos quais se destacam os órgãos de planejamento e controle, até o aumento do investimento em atividades de marketing.

          Em termos de incremento das atividades relacionadas com a propaganda e com a construção de uma imagem para o mercado, temos observado no Brasil uma acentuada preocupação de algumas da principais organizações religiosas em concorrência no mercado com investimentos na área de programas de televisão4. A Igreja Católica e a Igreja Universal do Reino de Deus, que tinham programas transmitidos por canais de televisão privados resolveram recentemente comprar seus próprios canais de TV.

                Análises posteriores das programações dos dois canais, além do tipo de recepção do que é veiculado por eles pelos segmentos aos quais se dirigem, poderão revelar de que maneira essas estratégias se relacionam com as transformações na definição dos produtos religiosos colocados no mercado. Em termos genéricos, uma diferença básica entre as duas inserções no campo das comunicações é que a IURD tem investido numa proposta aberta de programação, incluindo programas religiosos e não religiosos, enquanto a Igreja Católica tem optado por uma programação mais fechada em torno da proposta básica de veiculação de programas exclusivamente religiosos.
A tendência à assemelhação entre modelos de religiosidade
Em economias seculares, uma das práticas comuns em termos de estratégia de mercado é a imitação de aspectos de produtos de sucesso ou das suas estratégias de marketing. Podemos localizar algumas práticas semelhantes no campo religioso do Brasil, das quais apresentamos, como exemplares, o caso do Movimento Gospel e o do Movimento Carismático Católico.

O Movimento Gospel

           O processo de construção da identidade religiosa dos protestantes no Brasil, devido às condições históricas em que as diferentes mensagens que se incluem nesse campo, também chamadas de “evangélicas”, entraram no país - na condição de religiões dominadas -, baseou-se, tradicionalmente, na oposição em relação ao modelo do catolicismo.

Além da diferenciação no nível doutrinário, o que definia o projeto ético dos “crentes” era um conjunto de regras de comportamento opostas aquelas adotadas pela Igreja Católica, seu principal oponente no campo simbólico-religioso local. Assim, a frase que resumia satisfatoriamente a forma de construção da identidade protestante em períodos anteriores ao atual anunciava: “o crente é diferente”.

           O Movimento Gospel, uma proposta de religiosidade veiculada nos anos 90, na extinta TV Manchete, pela Igreja Renascer (ou "Espaço Renascer"), que se autoclassifica como evangélica, do grupo das que enfatizam a Teologia da Prosperidade, segundo a qual a riqueza e sucesso nos negócios são o começo, nesta vida, da felicidade a ser vivida no paraíso depois da morte, já indicava mudanças significativas na forma de construir a identidade religiosa de, pelo menos, um certo setor do grupo dos protestantes.

Basicamente o que se observou nessa proposta foi a abolição de alguns aspectos da oposição de evangélicos e não evangélicos, em termos de vestuário, linguajar e principalmente de tipo de gosto musical. A musica “gospel”, um dos “carros-chefes” da estratégia da Renascer para ganhar fiéis, coloca dentro da igreja um estilo que em outros tempos era considerado “diabólico”, sendo uma marca identificatória dos que ainda não tinham sido atingidos pela mensagem da “salvação”: o Rock.

           Os programas de TV produzidos pela Renascer combinavam uma mensagem que enfatizava a solução de problemas como desemprego, solidão, amor e saúde, com a exibição de vídeo-clips, produzidos a partir de uma estética/linguagem visual idêntica à dos seculares, e nos quais podiam-se ouvir desde Rock baladas até exemplares de Heavy Metal evangélico. Além da música “mundana”, os apresentadores dos programas e entrevistadores desse grupo evangélico utilizavam também o mesmo vestuário de artistas seculares, adotando muitos aspectos da linguagem da área.

Outra estratégia semelhante àquelas utilizadas no campo do show business e copiada no campo religioso pelo mesmo grupo, é a organização de mega-shows, nos quais participam numerosas bandas de Rock evangélico, em imensas concentrações em estádios: vale tudo na disputa pela preferência dos consumidores jovens. Essa proposta de religiosidade é um exemplo de utilização de uma embalagem anteriormente condenada, com o objetivo de atrair um segmento específico do mercado que se negava a freqüentar igrejas protestantes tradicionais.

O Movimento Carismático Católico


                   Numa conjuntura em que a esfera da religião se estrutura de forma similar à de um mercado secular, a Igreja Católica, além de continuar com sua atitude permissiva em relação ao sincretismo religioso com o espiritismo e as religiões afro-brasileiras, já presente na ordem simbólico-religiosa anterior, está oferecendo, com o surgimento do Movimento Carismático, uma proposta de religiosidade que tem características similares às presentes naquela do seu maior concorrente no mercado, os pentecostais. Com o apoio institucional dado ao modelo católico - carismático, a Igreja está abrindo espaço para uma forma de religiosidade católica que oferece o que os fiéis poderiam estar procurando (e muitas vezes encontrando) nas Igrejas Pentecostais.

           Outras ocorrências que apontam para o processo de assemelhação entre modelos de religiosidade e de organização da atividade religiosa no Brasil poderiam aqui ser citadas. Devido ao tempo vamos citar apenas mais um exemplo, o caso da própria Igreja Universal do Reino de Deus, onde encontramos elementos que representam apropriações de alguns aspectos da religiosidade afro-brasileira, um dos seus maiores competidores no segmento de mercado ao qual o produto da Igreja Universal se dirige.

          Embora servindo em rituais para a resolução de problemas vários e para a expulsão de “demônios” ou entidades ligadas a Umbanda e Candomblé, a utilização de materiais como sal grosso e arruda nas IURDs substituem os instrumentos que a tradição cristã em geral, e a protestante especificamente, prevê, em caso nos quais os líderes religiosos precisam enfrentar situações de exorcismo ou quando querem produzir resultados como o livramento de doenças e de outras dificuldades.

                   Ao nosso ver o uso dos elementos citados é motivado pelo seu apelo popular, assim como também a adoção de uma certa liberalidade em termos de regras de comportamento propostas para os membros da IURD - também pelo fato de que sua estratégia se refere a uma estrutura de igreja de massas. Esta última marca podendo, inclusive, assemelhar seu modelo de religiosidade com o da Igreja Católica. Assim, a Universal oferece uma alternativa altamente competitiva na medida em que sua proposta de religião permite, por um lado, uma identidade religiosa que proporciona os benefícios de prover para os fiéis objetos persecutórios, que oferecem justificativas simbolicamente eficazes e de alta funcionalidade nas situações de sofrimento e privação às quais estão submetidas as populações-alvos desse proposta religiosa, e, por outro, a comodidade de uma vigilância do comportamento dos membros menos rigorosa do que a que se encontra normalmente nas igrejas protestantes em geral e mais especificamente nas pentecostais.

                A assemelhação acontece também em termos de métodos utilizados para a conquista de fiéis no mercado. Citamos aqui, rapidamente, a título de ilustração da tendência acima mencionada, as palavras de Dom Claudio Hummes, arcebispo nomeado de São Paulo, em entrevista concedida no mês de abril de 1998 à Radio Gaúcha, de Porto Alegre (Conf. Souza, 1998), na qual defendeu a imitação de uma das estratégias das Igrejas Pentecostais para conquistar mais fiéis: “A Igreja Católica tem que sair de suas comunidades com grupos de missionários e ir em busca dos católicos afastados. É assim que os crentes fazem”.

                    Entre os evangélicos podemos também localizar outros exemplos de reprodução de características dos produtos religiosos concorrentes ou mesmo de estratégias mercadológicas para a conquista de segmentos do mercado. Um dos fenômenos que pode ser encontrado tanto entre Batistas, quanto entre Presbiterianos e mesmo entre Católicos, tendo se disseminado rapidamente de uma proposta religiosa para outra é o movimento de “Encontro de Casais”, que combina a preocupação de “defender” a instituição da família com a possibilidade de conseguir, pela via do estabelecimento de redes sociais de dependência e comprometimento, a integração e participação de novos membros.

           Especificamente entre os evangélicos, o fenômeno do “Louvorzão”, celebrações especificas para jovens nas quais a principal atração é a música, quase sempre tocada por conjuntos que utilizam Baixo, Guitarra e Bateria, entre outros elementos associados com música para a faixa etária mencionada, tem se espalhado em todo o país. Tanto os Pentecostais, quanto os Batistas, Presbiterianos e Assembleístas e outros copiam a fórmula e competem entre si em elementos tais como a performance dos instrumentistas e cantores, a qualidade do equipamento sonoro, o tipo de material auxiliar utilizado (desde os retroprojetores até os telões), em níveis de “espiritualidade” atribuídos aos líderes e dirigentes, entre outros.
A centralidade ganha pela demanda dos consumidores e a conseqüente maior abertura da esfera religiosa à influência da sociedade inclusiva.

           Já mencionamos acima o fato de que a estruturação do campo religioso em mercado afeta a religião no sentido de tornar a dinâmica das práticas e discursos religiosos mais aberta à influência de variáveis da sociedade inclusiva5. Talvez a características cultural mais evidente dos processos culturais em andamento nas sociedades contemporâneas ocidentais seja o desenvolvimento de padrões cada vez mais acentuados de individualismo. Em muitas áreas pode ser sentida a influência desse traço da organização da vida dos homens, destacando-se a crise pela qual passam os movimentos sociais em geral, causada por esse estilo de sociedade no qual o refluxo da mobilização coletiva é evidente.

     Uma outra característica marcante da sociedade humana final do século XX é o que chamarei aqui de negação da racionalidade enquanto procedimento intelectual de exame e construção de juízos gerais de valor a respeito do mundo, que alguns chamam de "vazio moral". A metáfora do indivíduo diante da tela de TV é eficiente na descrição da atitude de espectador passivo do mundo, que cada vez mais é hegemônica em termos sociais. Essa postura diante das coisas e do mundo parece ter pelo menos duas conseqüências: a primeira delas a diminuição da disposição para atividades que envolvam ativamente o intelecto6 e em segundo lugar um aumento do interesse das pessoas por momentos nos quais seja exigida ativação emocional.

          Como alguns dos resultados dessa conjuntura, onde predomina uma certa indisposição para atividades em que seja necessário pensar, refletir, criticar, analisar, observamos uma perda gradual da popularidade dos livros, a diminuição da capacidade média das pessoas de se concentrarem em discursos elaborados e o estabelecimento de uma sociedade crescentemente visual, onde reina a centralidade da fruição de imagens.

          Essas duas características do homem médio contemporâneo, o individualismo exacerbado e a tendência à rejeição das atividades intelectuais - a recusa de pensar, criticar, analisar -, têm se refletido na dinâmica dos discursos e práticas religiosas no mercado, no sentido de que as propostas de religiosidade menos racionalizadas, que permitam o extravasamento de emoções e as mais centradas no indivíduo tendem a ter melhores performances do que aquelas que propõem uma problematização das coisas no mundo e uma visão mais comunitária da vida, uma reflexão sobre a estrutura social.

          Assim como há um consumo crescente de substâncias medicamentosas que deixem as pessoas "de bem com a vida", a linha da qual o PROZAC é um emblema, é como se houvesse uma pressão dos consumidores por produtos religiosos que proporcionem alívio e catarse num mundo caracterizado pelo stress7, e uma pressão no sentido do oferecimento de 'vantagens' e melhoria não em termos coletivos, mas para os indivíduos, o que contribui para a constituição e crescimento de organizações religiosas com propostas de religiosidade nas quais o compromisso histórico de inspiração coletiva praticamente inexiste nos seus discursos e práticas.

         Esses dados apresentados em referência à situação da religião no Brasil apontam para as transformações decorrentes do aumento da competição no campo religioso. Essas transformações ocorrem na estruturação do trabalhos das organizações, nas formas que tomam os seus discursos e práticas religiosas e em referência às identidades religiosas que surgem associadas a essas mudanças.

      Assim, tanto o entendimento das novas possibilidades em termos de maneiras de ser católico e de ser evangélico, particularmente, quanto das transformações na dinâmica mais geral da esfera da religião no Brasil, passam, ao nosso ver por uma abordagem do fenômeno religioso em termos dos crescentes níveis de concorrência entre as organizações religiosas pela preferência dos fiéis e de seus efeitos sobre seu modus operandi.

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