5.7.10

Comunicação e Marketing Religioso

Este estudo esta sendo desenvolvido aos poucos e aborda conceitos e discussões dos principais pensadores sobre o Marketing Religioso.


Resumo

           Se o termo "Marketing" ainda enfrenta grande imprecisão conceitual, "Marketing  Religioso" também carece de uma definição mais precisa. Marketing Religioso significa 80% de teologia e doutrina (conteúdo) e apenas 20% de retórica (forma). Significa, também, uma troca de valores simbólicos com o ambiente, o que garante a atualização das mensagem religiosa ao longo do tempo. Para isso, é necessário recorrer às obras de Alfred
Chandler, Peter Drucker, Al Ries e Jack Trout. A conclusão é de que as igrejas têm muito mais a ensinar, hoje, do que aprender com a Comunicação e o Marketing das empresas capitalistas.

Palavras-chave


Marketing Religioso; Comunicação Religiosa; Posicionamento; Pentecostalismo; Igreja Católica

Corpo do trabalho


1. Introdução

      Ao analisar a Comunicação e o Marketing da Igreja Universal do Reino de Deus (IURD), o professor Leonildo Silveira Campos (1999) afirmou ser simplismo denunciar a retórica e as estratégias de propaganda da Igreja como mera manipulação ativa de massas passivas, pois seu marketing supõe necessidades e desejos insatisfeitos. Em outras palavras,

“é possível enganar todas as pessoas por algum tempo, enganar algumas pessoas o tempo todo, mas não é possível enganar todas as pessoas o tempo todo”.

          Para o senso comum, se isoladamente a palavra “marketing” carrega um sentido pejorativo, associá-la a algo “sagrado” cheira a heresia. A religião trata das “verdades superiores”, enquanto o marketing seria pura retórica. A única forma de reconhecer seu valor — inegável na prática — é rebaixando-o em relação à “verdade”, seja da prática subjetiva das revelações divinas, seja do esforço racional da teologia. Ele é útil, mas secundário.

2. Visão tradicional sobre "Marketing Religioso"

               Quem melhor sintetizou este pensamento foi Olavo de Carvalho (1997), ao resenhar o livro Mídia e Cidadania: faça você mesmo, de Jorge Maranhão (1993). “[De acordo com Jorge Maranhão], o bom líder não é aquele que age segundo sua consciência fundada no conhecimento, mas aquele que segue a todo preço a opinião pública e, não podendo persuadi-la do certo, adere festivamente ao errado para não correr o risco de ‘acabar solitário com a sua verdade’ [...] é preciso estar hipnotizado pelo fascínio do marketing em grau quase demencial para enxergar algum atrativo na oferta de, em troca do ingresso no ‘livre mercado das idéias’, atirar ao lixo tudo o que dá valor e sentido à vida.


              O homem que prefere a solidão da verdade à companhia dos mentirosos não tem certamente buena prensa; mas é o mais belo tipo moral humano, personificado em Cristo: superior em marketing era Barrabás. Maranhão pretende que santifiquemos o voto da turba, pelo qual até um panaca como Pôncio Pilatos era sensato demais para se responsabilizar” (CARVALHO: ibid, 167, grifos nossos).

A seguir, chega a uma conclusão “bombástica” sobre o progresso filosófico e científico contemporâneo, analisando a classe dos “intelectuais” modernos:
“Quem elevou a classe dos técnicos e cientistas ao estatuto de uma casta sacerdotal não foi nem a física de Einstein, nem a genética de Mendel, nem qualquer teoria científica, mas a retórica iluminista e, depois, positivista. Os homens que criaram o poder científico — Voltaire, Condorcet, Comte, Renan — não eram cientistas nem mesmo num sentido aproximativo do termo, mas comunicadores, homens de marketing como
Maranhão.

               A noção mesma de ‘intelectual’ no sentido moderno, é sobretudo a de um retórico — um agitador de idéias, que nada descobre ou cria por si mas faz um barulho imenso e põe em movimento a máquina da História [...]. À testa de todos (sic) as correntes de opinião que agitam  mundo há duzentos anos, não se encontra nunca um verdadeiro homem de ciência , um filósofo no sentido clássico do termo, um genuíno artista criador, um religioso autêntico ou mesmo um puro homem de ação, mas sempre e invariavelmente um ‘intelectual’ — um indivíduo que tem o dom de, pela palavra, transformar as idéias em forças agentes. Vale dizer: um retórico, um publicitário.


             São publicitários os autores da Enciclopédia , os pioneiros do movimento socialista, os ideologues do liberalismo, os propagadores do espiritismo e da teosofia, os apologistas do positivismo, os instigadores da Comuna de Paris, os porta-vozes de ambos os partidos no caso Dreyfus; são retóricos Lênin e Trotsky, Hitler e Mussolini, Churchill e Roosevelt, Gandhi e Mao [...]. Mesmo antes do advento do mundo moderno, e do ‘intelectual’ ou retórico puro que constitui a sua figura dominante, já era a retórica a fonte do poder.

            Quem transformou a Igreja em força política não foram os teólogos especulativos, mas os pregadores [...]. É a retórica de S. Bernardo — e não a teologia de Tomás ou de quem quer que seja — que leva a Europa à aventura das Cruzadas, da qual sai menos cristã do que quando entrou” (ibid, 167s, grifos nossos).

                Em primeiro lugar, é preciso questionar o que seriam “verdadeiros homens de ciência” para Carvalho nos dois últimos séculos. Na economia, se não foram “verdadeiros homens de ciência” David Ricardo, Malthus, Stuart Mill, Hayek, Keynes, Milton Friedman, Gary Becker, Galbraith e, entre nós, Celso Furtado e Mário Henrique Simonsen, não imagino quem o seja.

                O único que escapa do período de Carvalho foi Adam Smith, mesmo assim por menos de duas décadas — Ensaio Sobre a Natureza e as Causas da Riqueza das Nações foi publicado em 1776, enquanto o artigo do Carvalho provavelmente foi escrito em 1995. Até Jean-Baptiste Say não “escapou” por pouco, a primeira edição de Tratado de Economia Política é de 1803.

              Quanto a Karl Marx, referência constante para Carvalho, não há diferenciação entre a elaboração de textos “intelectuais” de divulgação e ação política, como o Manifesto, e os teóricos ou “científicos”, como O Capital. Não creio que os conceitos de M—D—M e D—M—D’ (MARX: 1998, 137ss) sejam os mais adequados para “agitação”, sem entrar no mérito se a teoria marxista procede ou não.

             Portanto, não encontramos na ciência econômica “homens” mais importantes que os citados, que representam a base para as disputas políticas entre liberalismo e dirigismo estatal, movendo “a máquina da História” nos séculos passado e atual.

              Da mesma forma, todas as discussões contemporâneas sobre genética têm como pano de fundo as experiências de Mendel, assim como as divagações filosóficas sobre o significado do tempo não podem desprezar as conclusões de Einstein. Basta conferir como as descobertas científicas do final do século XIX e início do XX influenciaram a literatura de massa e, posteriormente, o cinema.

                Se os livros e películas “agitaram" o mundo cultural a partir dessas idéias, não significa que precisassem citar constantemente os “cientistas”.

                Ou então O. Carvalho se igualaria a Fernando Jorge, que imputou as mesmas acusações a Paulo Francis (CARVALHO: op. cit., 471). No campo religioso, as idéias de Carvalho sugerem, por associação, que líderes religiosos contemporâneos, como o Bispo Edir Macedo, sejam apenas grandes retóricos e que não há fundamentação teológica para sua prática. Em outras palavras, o Bispo Macedo seria uma espécie de “Barrabás”, gênio do “marketing”, elevado à categoria de fundador de igreja.

          Da mesma forma, Chico Xavier seria ou um mero retórico-propagador-publicitário — ainda que contando com a ajuda de André Luís, Emmanuel e outros “espíritos” na redação dos livros — ou apenas um religioso “autêntico”, quando na verdade foi as duas coisas para o Espiritismo.

          Para Carvalho, não há, por sinal, nenhum “teólogo” ou “religioso autêntico” no Kardecismo ou na Teosofia, na medida em que ambos foram criados há menos de 200 anos. Se ele usa o termo “propagadores”, é porque supõe que alguém criou a doutrina.

          Para a Umbanda, com menos de um século de existência, a situação é ainda pior.

          Como é uma religião fundada sem “religiosos autênticos” e “teólogos”, não se sabe de que modo foi difundida, já que passou metade de sua existência perseguida pela polícia, sem qualquer “publicidade”. Resta saber se as obras como as de Matta e Silva (1997), e Rubens Saraceni (2003) constituem doutrina teológica ou manuais de divulgação.

         O próprio Cristo, se tivesse nascido oito séculos depois, não seria um “religioso autêntico” para Carvalho, porque tinha o “dom da palavra” e conseguia convencer as pessoas a acompanhá-lo. Até “perder” em retórica para Barrabás, Jesus ostentava alguma “popularidade”, por isso incomodava os romanos, e poderia passar por mais um marketeiro.

        Ou então um “intelectual” que, nas palavras de Carvalho, “tem o dom de, pela palavra, transformar as idéias em forças agentes”. De acordo com o cristianismo, ninguém transformou tanto palavras em forças quanto o Filho de Deus, através dos milagres.

       A visão maniqueísta de O. Carvalho opõe necessariamente criadores a divulgadores.

      A diferença existe, mas a linha é muito mais tênue do que supõe o autor. De acordo com o professor e jornalista Nilson Lage:

“Na Introdução de um número recente da revista Lugar, editada sob a responsabilidade do Colégio Freudiano do Rio de Janeiro, lê-se um confissão extraordinária: definindo seus propósitos, dizem os organizadores da edição que se dispõem a combater a ‘vulgarização’, a ‘diluição’ e, enfim, a ‘banalização’ de suas reflexões. Vários dos professores alinhados no expediente da revista dificilmente subscreveriam tal frase [...] porque o artifício é por demais ingênuo [...]. entre ‘vulgarização’ e ‘diluição’, de um lado, ‘divulgação’ e ‘difusão’, de outro, a diferença é de natureza afetiva [...]. ‘Vulgarização’ é a divulgação que n ão interessa ao falante e ‘diluição’, a difusão que não lhe convém. O que se pretende de fato é manter fechado e elitista um saber do qual jamais se aproximem os intelectuais não comprometidos com o grupo, os estudiosos independentes, os estudantes e, sobretudo, os jornalistas e profissionais de comunicação em geral, empenhadas em entender as difíceis circunstâncias em que se processa o seu trabalho” (LAGE: 1978, 147s).

        O. Carvalho não considera a possibilidade de o mesmo indivíduo criar e praticar idéias originais e saber comunicá-las. O resultado das idéias de Carvalho é um interpretação longitudinal da história, considerando a modernidade (os tais “duzentos anos”) “inferior” ao período pré-Revolução Francesa. Mas o próprio Olavo de Carvalho revela que a retórica sempre existiu, o que invalida a comparação histórica.

3. Adaptação cosmética e adaptação em profundidade

            Acontece que o marketing não é oposto à “verdade”. A “adaptação” ao mercado não significa adaptação a superficialidades. Nem mesmo ao “gosto da maioria”, minoria ou quem quer que seja. A prática empresarial, por si só, já mostra isso. Muitos produtos de sucesso foram lançados à revelia das pesquisas de mercado, da opinião pública, ou da vontade expressa “da maioria”.

        O que importa não são os “achismos” de entrevistados, mas a lógica social e econômica que rege as relações de consumo. Até porque “opinião” nem esmo constitui uma “certeza” (POYARES: 1998, 68ss), reflete apenas uma tomada de posição em um determinado momento. Um retrato da situação aqui e agora. Nas palavras do publicitário Alex Periscinoto:


“O entrevistador bate à porta ou telefona e pergunta: ‘Que programa você está assistindo?’ Às vezes a pessoa está vendo um programa de auditório, mas é capaz de responder que está assistindo a um programa científico da TV Cultura. O Ibope sabe que lida com esse tipo de mentira branca, mentira permitida, pois o entrevistado não quer que seu status seja diminuído” (PERISCINOTO: 1988, 144).

Como disse Bill Bernbach, “boa propaganda só faz um produto ruim fracassar mais rápido” (LEVENSON: 1987).

        No campo das idéias, a duração pode atravessar gerações, mas algum dia mostrará sua inconsistência. Para evitar as armadilhas das retóricas individuais, Collins e Porras (1995), em "Feitas para Durar", analisaram empresas que prosperaram durante várias gerações. Se esse desenvolvimento no campo econômico fosse apenas produto de “retórica” ou “enganação”, não duraria tanto tempo.

Um produto, serviço, idéia ou pessoa que não corresponda a necessidades, desejos e demandas “verdadeiros” da estrutura social, não terá vida longa. A doutrina de Cristo poderia ter morrido com ele, mas permaneceu viva e cresceu através dos apóstolos. Podemos supor, que perdurou em virtude da "verdade" sobre a moral do ser humano.


           Portanto, é preciso diferenciar o marketing (adaptação) “de superfície” do marketing “de essência”, que mergulha na alma dos produtos, idéias e pessoas. No primeiro caso, a crítica de O. Carvalho tem fundamento, na medida em que muitos executivos e profissionais de comunicação se limitam aos aspectos “cosméticos” das mercadorias. Um caso recorrente na área de propaganda fala dos gerentes que passavam horas discutindo se a “florzinha da embalagem” deveria ser azul ou verde. Enquanto isso, o concorrente pesquisou uma nova fórmula que o tornaria líder de mercado em poucos anos.

           No nível superficial das adaptações, o que vale, realmente, é a retórica e a capacidade persuasão. A segunda visão aborda a adaptação em profundidade. Não se trata de modificar a superfície, mas a essência. Em vez de adaptações adjetivas, ocorrem adaptações substantivas. Por isso, 80% do planejamento de marketing de uma indústria alimentícia deveria ser destinado ao estudo de nutrição e engenharia de alimentos.

            Só 20% deveriam  ser destinados às técnicas de persuasão e à retórica, incluindo a comunicação propriamente dita, elaboração e execução de propagandas e táticas de promoção de vendas. Infelizmente, muitos profissionais da área não perceberam isso e inverteram a equação.

 4. O que é Marketing Religioso?


         Da mesma forma, o “marketing religioso” significa 80% de teologia e doutrina e 20% de retórica. Por mais que os apóstolos e os defensores das cruzadas fossem dominantes, a Igreja romana só se sustentou pelos 80% de conteúdo que foram, inicialmente, condensados no Novo Testamento.

        Assim como quem faz o marketing jornalístico é o jornalista, o marketing religioso não foi criado ou executado por leigos, ainda que especialistas em comunicação e negócios. A “cosmética” representa apenas
alterações de curto prazo, que o tempo se encarrega de varrer. As alterações “em essência” são a base firme das instituições “feitas para durar”. Assim, qualquer organização — seja uma igreja ou uma empresa — depende do relacionamento e da sinergia com o ambiente externo.

         Só se desenvolve a organização que otimiza seu conhecimento (DRUCKER: 1998) de recursos materiais (inovação tecnológica) ou simbólicos (marketing) para a criação de mercadorias, serviços, idéias ou políticas. Ressalte-se que o conhecimento de marketing representa a visão diferenciada sobre o contexto social, político, econômico e cultural, como forma de orientação. A inovação tecnológica em uma igreja compreende às revelações divinas para elaboração inicial da doutrina.

         Marketing para uma instituição religiosa significa a troca de valores simbólicos com o ambiente, à medida em que a organização se desenvolve. Não se trata apenas de incorporar valores folclóricos, mas de adaptações na essência de práticas e doutrinas.

        Mesmo O. Carvalho reconhece que, à medida em que se desenvolveu, o catolicismo incorporou elementos, filosofias e até divindades de diversas culturas. Haja vista aos santos negros e ao papel dos religiosos católicos em defesa do sistema de “cotas raciais”.

         A Igreja romana se adaptou às particularidades de cada época, reforçando sua teologia e prática eclesiástica — do apóstolo Paulo ao Concílio Vaticano II e o papado pop de João Paulo II..

       Por mais que soe desagradável ou “profano”, isto é “marketing religioso”. No caso brasileiro, o resultado foi que o catolicismo permaneceu hegemônico na religiosidade brasileira (BITENCOURT FILHO: 2003), com a opinião pública apoiando qualquer ataque direto, como o “chute na Santa” protagonizado pelo pastor da Igreja Universal, Sergio Von Helde.

        Para Muniz Sodré (1988b), o conceito de “marketing amplo” que utilizamos corresponde ao que chamou de “jogo”. De acordo com o termo, também constituem casos de “marketing religioso” para os candomblés yorubás a formação do corpo de obás (ministros) do Axé Opô Afonjá, na década de 1920, por Mãe Aninha (ibid, 66ss); a incorporação de termos católicos (“fé”) no vocabulário do oluô Agenor Miranda (ibid, 93ss) e as reuniões entre terreiros para combater a discriminação religiosa (OLIVEIRA: 2003).

          Não há distinção essencial deste “marketing religioso” para as práticas, por exemplo, da IURD. As diferenças em aparência se referem à comparação natural entre instituições milenares, como o catolicismo e as religiões africanas, e uma denominação pentecostal criada em 1977. Da mesma forma, a essência do comércio é a mesma em uma feira medieval ou em um shopping center. Se a Igreja Universal inovou com o
posicionamento contra a Umbanda (REFKALEFSKY: 2004), na arquitetura dos templos e no uso da televisão (RUUTH: 1995), a Igreja Católica empregou “estratégias de marketing” semelhantes há vários séculos.

5. Pioneirismo em Marketing da Igreja Católica

O consultor Francisco Madia de Souza (1999: 22) relacionou alguns casos pioneiros como “ “marca e logotipo” (a cruz), “comunicação auditiva” (sinos para chamar os fiéis à missa), “ponto de venda (place)” (igrejas sendo a construção mais alta e central de uma cidade), “licenciamento” (distribuição de santinhos e medalhinhas) e até “comunicação virtual”, através das orações. Acrescentamos a este último exemplo comunicação “interativa”, no caso dos místicos e iluminados.

              O publicitário Alex Periscinoto (op. cit.), em palestra para a CNBB em 1997, cita ainda os confessionários como forma de “pesquisa de mercado”; o “melhor audiovisual do mundo”, a Via Sacra; o “cenário” das igrejas; e o “fundo musical” com o órgão, coro ou sineta. Periscinoto conclui a palestra com recomendações para a Igreja.

             “Eu queria volta para, digamos assim, o marketing da igreja. vamos falar dos segmentos de mercado. O público de você está nitidamente dividido em três. O primeiro comprador em potencial do produto que vocês oferecem são os doentes. Os doentes querem, precisam, necessitam de fé.

             Em relação a eles, vocês [CNBB] não precisam fazer nenhum esforço: renova-se a fé e há uma necessidade maior de fé.[...] O segundo segmento [...] são os velhos. Os idosos também modificam o seu jeito de pensar à medida que atinge mais idade; as pessoas passam a acreditar na passagem desse mundo para o outro, tendem a ter fé e há então uma volta à igreja. Mas o grande, o terceiro pedaço do mercado, o enorme contingente que vocês talvez estejam com dificuldade de atingir é aquela massa de crianças, jovens e adultos sadios e no auge da vida. Este grande pedaço do mercado, que deve representar mais de 80% do total, está mais ou menos fora do alcance de vocês por várias razões.

Primeiro: quando falar com eles? Segundo: como falar com eles? Terceiro: onde? Que tipo de coisa esse pessoal está fazendo, quando estão dispostos a ouvir?”  (ibid., 147s).

              O publicitário aponta como estratégia fundamental o uso da televisão, não necessariamente comprando canais ou exibindo missas às oito horas da manhã de domingo, quando os jovens ainda estão dormindo. Até o desenvolvimento no Brasil do movimento carismático, não houve modificações substanciais na política de comunicação da Igreja.

           Com isso, o espaço aberto foi ocupado pela Igreja Universal — por sinal, criada no ano em que Periscinoto fazia a palestra para a CNBB — e demais denominações pentecostais. Uma estratégia pouco comentada dos evangélicos é visitar hospitais para levar conforto espiritual, na mesma linha pregada por Alex Periscinoto.

        No caso da IURD, afirmamos que a oratória de Edir Macedo, bispos e pastores; a arquitetura dos templos; os estádios lotados e os programas de rádio e TV significam apenas 20% do esforço de planejamento. Como representam a face visível da Universal, causam a impressão de “manipulação” e “retórica”, quando na verdade são esforços secundários.

     Os 80% se referem ao estudo (pesquisa) sobre a natureza da religiosidade brasileira. Para qualquer sacerdote ou obreiro da IURD, as obras de José Bittencourt Filho (2003), Antônio Gouvêa de Mendonça (1997), Muniz Sodré (1996; 1998b) e Yvonne Maggie (1975) são mais importantes para o “marketing” do que a maioria dos livros de administração, negócios e comunicação.

           A tensão entre verdade revelada do sagrado e as transformações do mundo  representa o grande desafio para teólogos, pregadores e fiéis. A maior parte dos religiosos chama este trabalho de “adequação da doutrina aos novos tempos”, mesmo que represente uma volta ao passado, como pregam os fundamentalistas de diversas crenças. De qualquer forma, consideramos esta definição prolixa. Melhor chamar simplesmente de “marketing religioso”.

          Entender crenças, hábitos e práticas religiosas dos brasileiros permite que o conhecimento se transforme em oportunidade, como ocorreu com o Bispo Macedo para fundar a IURD. De tanto mergulhar na realidade dos cultos sincréticos, Edir Macedo descobriu as contradições fundamentais do cultos como a Umbanda e as atualizou no contexto da economia do final do século XX.

      A falta de organização e sistematização desses cultos, refletida em todo tipo de problema material e espiritual, foi contraposta na  IURD pela estrutura episcopal altamente centralizada, que impede qualquer desvio prática ou doutrinário.

      Ao longo da história, as igrejas têm muito mais a ensinar do que aprender com as empresas modernas. Alex Periscinoto chega a afirmar que todos os conceitos de marketing foram criados pela Igreja. Só acrescentamos, como ressalva, as categorias criadas pelo Exército, instituição tão antiga quanto a religião.

      Ambos representam as duas primeiras formas de organização social, seja com objetivo de dominar, pela força, a natureza e outros grupos humanos, seja para entender e cultuar o sagrado e estabelecer a comunhão entre os homens.

6. Conclusão

           No século XX, o paradigma de organização foi a empresa capitalista, cuja estrutura surgiu com a revolução industrial. O processo de secularização da sociedade, iniciado no século XIX, colocou as organizações religiosas em segundo plano. Mas na passagem para o século XXI, o modelo clássico de estrutura empresarial entrou em declínio, acompanhado da crescente importância dos novos movimentos religiosos e das organizações sociais, de modo geral.

          Tanto os empreendimentos capitalistas como as igrejas — sem falar em partidos políticos e outras organizações de ação coletiva — confluíram para um tipo de organização descrito pelo que chamamos de “autores contemporâneos” como Michael Hardt e Antônio Negri (2001), Manuel Castells (1999) e Jeremy Rifkin (2000).
 
      Mesmo usando métodos de trabalho e enfoque diferenciados, mesmo chegando a conclusões pragmáticas opostas, esses autores se equivalem do ponto de vista empírico, ao constatar e exemplificar este novo tipo de organização.

       Porém, as definições já constavam dos clássicos de comunicação e negócios. Alfred Chandler Jr. (1997; 1998), mostrou de que forma a estrutura da firma industrial nasceu e prosperou. O levantamento empírico de Chandler — que é mais um historiador dos negócios do que um teórico de administração — aponta para as contradições intrínsecas desse modelo de organização.

     Um fator importante para essas conclusões foram os trabalhos realizados pelo autor, no início da carreira, para a Marinha dos EUA. Ou seja, em uma das instituições que representam o paradigma da organização social, ao longo da história. Isto explica a visão distanciada de Chandler em relação às empresas, que não cai na armadilha da personalização para o bem (o mito dos “gênios empresariais”) ou para o mal (empresários “ladrões”). Em vez destas visões personalistas, Chandler optou por um terceiro caminho, ao estudar racionalidade organizacional e administrativa, entendidos como a relação entre "estratégia e estrutura".

      Seguindo mesmo raciocínio e realizando uma pesquisa de campo tão ampla quanto a de Chandler, James Collins e Jerry Porras (op. cit.) derrubaram uma série de mitos que supostamente explicariam o sucesso duradouro de empresas centenárias.

        Os professores descobriram que o diferencial está na manutenção de um conjunto central de valores que podemos chamar de “cultura corporativa”. Esses valores existem de maneira independente da cúpula da empresa, embora possam ser estimulados por ela.


        A cultura corporativa garante uma base simbólica para que a organização possa se reinventar, superando todo tipo de fracasso momentâneo. Desta forma, as empresas “feitas para durar”, em referência ao título do livro, conseguem enfrentar variações conjunturais, humores passageiros da liderança e quebras de paradigmas no mercado e na sociedade.

             Pesquisadores de ciências sociais e antropológicas chegaram as mesmas conclusões em relação a organizações simbólicas, com estrutura diferente das empresas capitalistas.

           Por exemplo, Muniz Sodré (1988b), apesar de desconhecer esta literatura específica de ciência das organizações, mostra como a “cultura negra” no Brasil foi “feita para durar”. Os descendentes de africanos preservaram a "dimensão territorial mítica", o que permitiu todo o tipo de interação simbólica com outras culturas e de atualizações de valores de acordo com as mudanças conjunturais.

             Também influenciado por Alfred Chandler, Peter Drucker (op. cit.) criou a base conceitual para descrever os fenômenos das novas organizações, mas sua contribuição é pouco lembrada pelos autores contemporâneos. Isto ocorre devido à imprecisão de alguns termos, como acontece com os pioneiros de qualquer área. Drucker, assim como Marx, Freud e Einstein, não podia criar termos totalmente novos, pois seria incompreendido, mas se usasse palavras consagradas, corria o risco de perder seu conteúdo revolucionário.

                    Normalmente, uma segunda geração sistematiza o trabalho criativo desses pioneiros. Se há orgulho nos discípulos em se dizer “freudiano”, “marxista” ou “einsteniano”, na área de administração o mesmo não ocorre. Muitos acadêmicos e profissionais, na verdade, usam palavras artificialmente novas para nomear as categorias de Drucker. Com essas palavras — que o marketing chama de “nomes-fantasia”, ou seja, uma  adaptação “cosmética” — os seguidores podem se colocar na posição de inventores dos conceitos, sem precisar citar a fonte, e fazer sucesso nos mercados editorial e de consultoria.

           Mas assim como Nietzsche afirmou que a filosofia ocidental não passa de anotações nas margens dos "Diálogos" de Platão, os autores que tratam das organizações na sociedade contemporânea, mesmo sem saberem, apenas aprofundam ou exemplificam as categorias de Peter Drucker.

       Nos limites de nosso trabalho, relacionamos apenas duas contribuições do autor, já elaboradas na década de 50. A primeira, é o fato de que uma empresa capitalista clássica representa um caso particular de organização e que, com as exceções de praxe, sempre andou a reboque de outras estruturas sociais em termos de inovação e relevância social.

       A segunda contribuição é o que chamamos de “visão estratégica”. Os objetivos e recursos de qualquer organização estão fora e não dentro dela. Os objetivos podem ser determinados pelo mercado (no caso das empresas capitalistas), Estado (estatais e fornecedores), fundações (ONGs e instituições sem fins lucrativos) e até Deus (religiões).

       Qualquer ação, portanto, depende desses elementos externos, em primeira instância. Quanto aos recursos, se resumem em conhecimento aplicável, que determinou a criação do conceito de "trabalhador do conhecimento" por Ducker. Este conceito está implícito em todos os autores contemporâneos, embora muitos não tenham consciência do fato.

       Se os objetivos e recursos são externos, a aplicação só ocorre quando há comunicação, em sentido amplo, entre a organização e as instâncias “de fora”. Por isso, a evolução da historiografia de Chandler e das categorias de Drucker leva a questões teóricas e práticas contemporâneas, que foram pioneiramente desenvolvidas nas campanhas de Bill Bernbach (LEVENSON: 1987; REFKALEFSKY: 1999) e na obra de Al Ries e Jack Trout (1997). O fato dos três nomes trabalharem na publicidade comercial não invalida que as conclusões e casos possam ser aplicados a outras formas de organização.

      Chandler, Collins, Porras, Drucker, Bernbach, Ries e Trout representam a exceção para o que dissemos sobre a irrelevância dos livros tradicionais de marketing e negócios para os religiosos. São estes autores que mostram o mecanismo de passagem, em qualquer organização, dos 20% de “retórica” para os 80% de “estudo e pesquisa”. Ao longo da história, é o caminho de todas as instituições duradouras, inclusive a Igreja Católica, a organização que mais soube se adaptar às mudanças na história nos últimos dois milênios.

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